Thatcher e Reagan perderam a guerra cultural. Como evitar que o mesmo ocorra no Brasil?

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Por Luís Tourinho¹

No Brasil, com a denominada “onda da nova direita”, parlamentares foram eleitos, governos formados, páginas sociais criadas, eventos surgiram e pautas conservadoras aprovadas. Tudo isso conseguiu quebrar o status quo vigente e tem o seu valor. A questão é que movimentos semelhantes, como os que ocorreram nos EUA e no Reino Unido na década de 1980, não obtiveram sucesso no longo prazo. Ganharam algumas batalhas, mas perderam a guerra. É o que chamamos de “vitória de Pirro”.

No caso britânico, os conservadores conseguiram eleger Margaret Thatcher em 1979 e ficaram no poder por quase 20 anos. No americano, os republicanos elegeram Ronald Reagan em 1981 e só saíram do cargo presidencial em 1993. Portanto, em ambos os casos, a direita teoricamente teria tempo suficiente para neutralizar o processo de “esquerdização” em seus respectivos países. O que aconteceu, na realidade, quando ambos partidos conservadores terminaram seus mandatos? A esquerda voltou ao poder mais forte do que antes, principalmente na esfera cultural. 

Dois livros bem interessantes explicam parcialmente essa aparente contradição. Um deles é A Beleza Salvará o Mundo, de Gregory Wolfe, publicado pela Vide Editorial. O autor, em certa parte do livro, conta sua história no movimento conservador americano ainda na década de 1970 e como que o movimento se degenerou após a eleição de Reagan, pois os correligionários caíram em uma visão materialista de mundo onde só haveria duas coisas: a política, por meio da disputa de poder, e a economia. No final das contas, os republicanos caíram em um pragmatismo e em certa mesquinhez que resultou na aceleração impressionante da degradação, em termos culturais, dos EUA.

O outro livro é do famoso Roger Scruton, intitulado O que é Conservadorismo, editado pela É Realizações. Essa obra foi escrita com o objetivo de fazer uma crítica ferrenha ao governo de Thatcher, pois, para o autor, o Partido Conservador tinha perdido seu rumo e caído em vários erros. Um exemplo disso foi as políticas educacionais que prejudicaram o sistema educacional britânico, centralizando-o, vide a Reforma de 1988. O próprio Scruton afirma que o colégio onde ele tinha estudado, e a quem devia boa parte de sua formação intelectual, tinha sido uma das vítimas. Pelo que parece, Thatcher e os conservadores de seu governo caíram em um certo economicismo, negligenciado o aspecto cultural. 

A partir desses dois exemplos históricos, o americano e o britânico, pode-se concluir que existe o risco de ocorrer o mesmo com a “nova direita brasileira”. Tudo não passaria de um adiamento do problema, uma vitória provisória, um simples ato de “enxugar gelo”. Entretanto, como a história sempre tem algo a nos ensinar, a possível solução pode ser encontrada também nos exemplos de fracasso. Nos dois casos houve uma negligência enorme dos governos conservadores em relação ao aspecto cultural, porque é esse que determina o futuro de um país em questão de longo prazo (e não a economia ou a política, como vários liberais ou conservadores materialistas pensam).

Pode-se mencionar também que se tornou comum no Brasil utilizar termos como “guerra cultural”, “ocupação de espaços” e “revolução cultural”. Mas, quando analisamos a ação real do movimento conservador, vemos que a dita guerra cultural empreendida pela direita seria a seguinte:

1) organização de eventos onde os palestrantes adoram “lacrar” com frases de efeito; 2) pessoas com grande potencial intelectual, mas que cedem à tentação de ficarem famosos e de ganhar dinheiro gastando um tempo enorme em programas jornalísticos que só discutem a política diária; 3) figuras públicas que nunca passam da fase instagrammer e que vivem como se fossem oráculos de seus seguidores, dizendo o que deve ou não fazer, o que acha disso ou não, enfim, viram uma mistura de referencial paterno com coaching (isso é bem evidente no meio católico, onde a “modéstia” deveria prevalecer). Há vários outros casos, mas não é o foco deste artigo.

A partir disso, percebe-se que há dois tipos de problema distintos. Um seria de ordem metodológica, ou de postura, e o outro seria da falta de conteúdo ou de substância. O primeiro se manifesta na posicionamento reativo da direita. Não adianta dizer “sou anti esquerda”,  “anti Estado”, “anti aborto”, “contra o STF”, “fora Paulo Freire!”, “fim das doutrinações das escolas”, se não sabe o que propor, o que irá ser colocado no lugar. Enfim, a mudança da postura reativa para uma propositiva que resultaria, inclusive, na adesão de várias pessoas indecisas, pois quem fica somente na defesa acaba sempre perdendo.

Depois dessa mudança de postura, deve-se questionar: o que devemos colocar no lugar da proposta adversária? Para tal, precisamos ter conteúdo, substância, proposta. Geralmente quando alguém tenta responder essa pergunta acaba caindo no equívoco de copiar modelos prontos do exterior (vide a República Velha que tentou plagiar os EUA), porque essa atitude é a mais fácil do mundo, e tudo que é fácil, é medíocre por natureza. A outra possibilidade que geralmente fazem é criar um sistema totalmente novo da própria cabeça, o que sempre resulta em tiranias, crises econômicas e genocídios, porque o homem é por sua natureza limitado, inclusive intelectualmente. 

Uma postura que vários pensadores conservadores recomendam é a de ter humildade e olhar para a tradição, isto é, reavaliar tudo o que o homem produziu ao longo da história e distinguir o que é bom e aplicável para os dias de hoje do que não é. Por isso todo bom conservador deve gostar de história, não como um simples hobby para se exibir, mas como um auxílio à compreensão do próprio ser e da realidade, visto que a Verdade se fez presente na história.

A primeira tradição que devemos reavaliar – e, se der certo, reabilitar – é a brasileira e não a estrangeira. Diferentemente do que tentam pregar por aí, o Brasil teve sim grandes pensadores, mas que nos últimos 50 anos foram esquecidos ou, pelo menos, marginalizados. Irei abordar três áreas especificamente: Educação, História e Geografia.

Já é senso comum no âmbito da direita de que Paulo Freire não passou de um panfletário político que buscava instrumentalizar a educação para viabilizar a revolução esquerdista. A questão toda é: se tirarmos Paulo Freire, colocaremos quem? Primeiramente, a educação brasileira foi formada ao longo de séculos e por isso não deveria ter somente um patrono, mas vários. Por exemplo, nos primeiros séculos nossa educação teve como grandes responsáveis os jesuítas e, provavelmente, Manuel da Nóbrega seria o escolhido, já que ele fundou a primeira instituição educacional do país na cidade de Salvador, na capitania da Bahia.

Já no Império Brasileiro temos como o maior educador o baiano Abílio César Borges, Barão de Macaúbas. Ele foi o fundador do Ginásio Baiano, local onde se formaram dois gênios: Castro Alves e Ruy Barbosa. Depois ele se muda para o Rio de Janeiro, cria o Colégio Abílio (Raul Pompeia, que foi o autor da obra O Ateneu, escreveu o livro a partir das suas experiências nesse colégio), escreve e traduz várias obras pedagógicas, elabora um próprio método de alfabetização e se torna um membro ativo da luta pela abolição da escravatura.

Na área de história temos vários grandes escritores e intelectuais que poderiam ser reabilitados. Queria destacar de forma especial o grande Pedro Calmon, natural da cidade de Amargosa e que fazia parte de uma família nobre da Bahia. Ainda jovem vai trabalhar no Rio de Janeiro, é admitido no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB) com apenas 23 anos e é eleito aos 33 como membro da Academia Brasileira de Letras na cadeira cujo patrono era seu conterrâneo,  o poeta Gregório de Matos.

Calmon publicou dezenas de livros, dentre eles uma História do Brasil em cinco volumes, além de várias biografias de personalidades históricas do país. Pode-se acrescentar que foi reitor da atual UFRJ por dois períodos (1948-1950 e 1951-1966). Qual era, então, o “crime” dele? Não ser um panfletário esquerdista. Resultado: caiu no esquecimento.

Na disciplina da geografia a situação é mais séria ainda, pois parece que o único geógrafo de relevância em nosso país foi Milton Santos. A questão é que antes dele existia o importante geógrafo Carlos Miguel Delgado de Carvalho. Ele Nasceu em Paris, pois seu pai era diplomata na época e ferrenho monarquista. Viveu até os 13 anos com sua avó em Londres, a viscondessa de Tourinho, depois foi estudar em um colégio interno dos dominicanos em Lyon, mantendo contato com um de seus professores durante vários anos.

Posteriormente, estudou em Paris e completou a formação no Brasil. Escreveu dezenas de livros, foi professor da Universidade do Brasil (atual UFRJ), diretor do famoso Colégio Pedro II, membro do IHGB, auxiliou na criação do Instituto Rio Branco (local onde se formam os diplomatas brasileiros). Era amigo de vários intelectuais da época, como Oliveira Vianna, Augusto Teixeira de Freitas Filho (que trabalhava com ele no IBGE), o baiano e educador Anísio Teixeira etc. Aqui ele aplicou doutrinas inovadoras para a época, como a geografia regional.

Foi ele que desenvolveu a divisão do Brasil em regiões naturais (exemplo: Norte, Nordeste, Sudeste, Centro-Oeste e Sul), ajudou a criar o Conselho Nacional de Geografia e, anos depois, o IBGE. Ou seja, todo o arcabouço institucional e teórico da Geografia no Brasil foi desenvolvido por ele. O que aconteceu com o sujeito? Esquecido também.

Se quisermos evitar os mesmos erros cometidos por Thatcher e Reagan, ou seja, da vitória da “nova direita” ser somente temporária, nomes como Barão de Macaúbas, Pedro Calmon e Delgado de Carvalho precisam ser novamente reabilitados e suas obras, reeditadas, pois, como dizia Monteiro Lobato, “um país se faz com homens e livros”.

Nota

¹ Bacharel em Ciências Econômicas pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) e mestrando em Educação pela Universidade Católica de Petrópolis (UCP). E-mail: luistourinho@hotmail.com


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3 Comments on “Thatcher e Reagan perderam a guerra cultural. Como evitar que o mesmo ocorra no Brasil?”

  1. Muito bom! Devemos influenciar, mesmo q seja só entre o nosso meio, o estudo dessas figuras históricas esquecidas, assim será possível retirar o falso protagonismo que a esquerda possui no ensino brasileiro.

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