A elevação do conservadorismo na nova democracia húngara

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Recebendo 49% dos votos nas últimas eleições administrativas, Orbán segue para seu terceiro mandato como primeiro-ministro da Hungria, com cerca de 70% do parlamento, continuará no comando do seu país promovendo o que ele chama de democracia “iliberal” e a cultura cristã.

Forte opositor da imigração em massa e especialmente de políticas progressistas, é alvo de críticas de instituições internacionais assim como de periódicos e analistas políticos.

A democracia húngara

A definição de democracia é, simplesmente, poder do povo. Tem origem grega, demos, que era uma região da Ática, aonde depois das reformas de Clístenes (570 – 508 a.C), conhecido como o pai da democracia, foi autor de várias reformas de Atenas. Descentralizou o poder e o dividiu entre um número de famílias.

Diante desses fatos apresentados, a partir da questão histórica de divisão de poderes, o ideal democrático se desenvolveu de um modo que é impossível o definir em uma única frase ou parágrafo, devido as mais diferentes acepções e modelos de governos democráticos atuais.

No entanto, no Ocidente é normal que seja dado o nome Estado Democrático onde se atribui a maior parte do poder ao povo porque o mesmo se mantém, não apenas pelo seu consentimento, mas fazendo parte também da tomada de decisões.[1]

O parlamento húngaro nas suas últimas eleições teve uma larga vitória de Viktor Orbán e do seu partido. A União Cívica Húngara (Fidesz-MPP) junto ao Partido Democrata Cristão (KDNP) ganharam 48.53%, ganhando 134 cadeiras no parlamento.[2]

A despeito de já possuir majoritariamente espaço no parlamento, a sua subversão de instituições o ajudou a permanecer no poder, a exemplo de 2010 quando mesmo perdendo várias cadeiras, ainda assim continuou com a maioria, pois possuía 2/3 do parlamento, e o utilizou para permanecer no poder.[3]

A ascensão de Orbán ao poder foi construído em um cenário próprio de insatisfação da população,
que se sentia traída e tomada por oligarcas até então[4], durante um período de oito anos, no qual o Partido Socialista Húngaro sofreu uma grande derrota, assim como não soube fazer uma boa coalizão de governo para o enfrentar.

Apesar de ter a seu favor praticamente 70% do parlamento, o seu governo tem sido marcado por algumas controvérsias e resistência do sistema multilateral globalizante, especialmente a União Européia, assim como ONGs e outras instituições internacionais.

  • A subversão da democracia

Como todo conservador que ganha notoriedade conseguindo representar o povo em cargos importantes, a imprensa internacional bradou aos quatro ventos as mais variadas manchetes e diferentes neologismos, desde xenófobo, racista[5], “ultra-conservador”[6] etc. Dentre as principais críticas a mais centrada, e principalmente sem o uso de jargões comuns, são os escritos de Steven Levitsky e Ziblatt.

Levitsky em 2018 defendia a visão de que autocratas subiriam ao poder não por golpes de estado, tanques nas ruas ou com ditaduras parecidas com as do século XX, e sim por meios democráticos, aonde líderes eleitos subvertem e utilizam-se da própria democracia para chegar o poder[7].

As suas críticas ao governo Húngaro não são desconexas como normalmente é feito pela “extrema-imprensa”, a exemplo o próprio Órban usou vantagens institucionais e legislativas quando teve o poder, desde a nova formulação dos distritos, até a proibição de publicidade da mídia privada de outros partidos[8]. Tal projeto institucional foi de suma importância pra reajustar a perda das cadeiras do partido conservador em 2010, assim como da retomada do poder em 2018.

O mesmo ambiente democrático segundo o Democracy Index classifica a Hungria como: “Flawed democracy[9], ele classifica o regime como supressor da imprensa assim como o critica pelas suas posições nacionalistas.

O index avalia Orbán em sua posição como “iliberal” e tradicionalista com valores conservadores arraigados ao Estado, não sendo cosmopolita como normalmente é nas democracias liberais do século XXI, mas que segue outros países do leste europeu e têm seguido linha similar ou igual ao do governante húngaro nos últimos anos.

Tal ideia de iliberal de Orbán pode ser explicada segundo György Schöpflin, que é membro de seu partido:

“What I see as illiberalism, which may not correspond to anybody else’s view, is a questioning of extreme individualism, the questioning of inequalities. I’m not a radical egalitarian. There will always be differences. But I think that the levels of material, and also cognitive, inequality in the world are, for me, morally unacceptable. Not just between, let’s say, the rich West and Africa, but within European states.” (Schöpflin, 2018)

A visão clara de Schöpflin sobre o liberalismo o vê justamente como algo extremamente individual, como direito inalienável. Mesmo em sua história, o liberalismo, segundo ele, tem tomado rumos diferentes, e tem deixado o sentido civilizacional e coletivo de lado. Schöpflin continua sua presentação do “iliberalismo” como:

“The illiberalism that Orbán was talking about is basically a form of etatism, that the State has a role to play in social protectionism. And by the way, this is not that far from either Christian democracy or social democracy, but liberalism has done something else, very interesting in grand historical terms: it has established a monopoly over democracy. If you’re a democrat, you’re going to be a liberal democrat. I don’t accept this position. I think there are all sorts of different forms of democracy. And in that sense, Orbán’s illiberal perspective is well within the confines of democracy”.

O confronto de ideias se dá basicamente na concepção do que é democracia e o que o partido entende por ela. Evidentemente, as críticas são bem fundamentadas, assim como a própria defesa da nação pelo controle migratório, além de valores culturais e tradições, bandeiras defendidas por Fidesz, que são justamente ideais abstratos a olhos internacionais e multilaterais.

  • A subversão democrática pelas elites: George Soros vs Orbán

A visão complementar a de Levitsky pode ser sem dúvida a própria questão das massas tão presentes no magnum opus de Ortega y Gasset “La Rebelión de Las Masas”, especialmente no século XX aonde ele propõe a figura do homem-massa como atuante nos movimentos totalitários do século XX.

A verdadeira subversão da democracia segundo Christopher Lasch, é o que caracteriza a traição do regime democrático pelas próprias elites, pois elas controlam o fluxo internacional econômico, instituições filantrópicas e estabelecem os próprios termos do debate público (LASCH, 1995).

Tais elites fazem parte da virada epistemológica e cultural ocorrida no Ocidente, especialmente no pós-maio de 1968, onde qualquer visão tradicionalista, conservadora e religiosa fica em segundo plano ou faz parte de “valores burgueses” e ultrapassados e antiquados em uma era que não se pode voltar.

Os valores são combatidos, e tem a principal face: George Soros, grande filantropo de causas progressistas e liberais pelo mundo, esses ideais de Soros vão de encontro com todos ou a maioria defendida por Orbán e seu partido.

A cruzada de Orbán contra George Soros continuou durantes longos dois anos até o completo fechamento de suas ações na Hungria, entre amantes de teoria da conspiração e fatos Orban sai em defesa da sua pátria rejeitando uma governança global e o globalismo[11] se pondo contrário a especuladores financeiros que promovem o multiculturalismo como reposição de Europeus em sua nação e dentre seu discurso destacou a figura  perniciosa  do especulador progressista[12].

  • Em busca da elevação democrática

Dificilmente em um governo conservador e nacionalista a Hungria alcançaria um ideal democrático segundo instituições e organizações internacionais em seus respectivos modelos, pela sua própria história autoritária, assim como praticamente todo o leste europeu que foi dominado pela União Soviética no século XX.

Apesar de ter o parlamento em suas mãos, Orbán enfrenta várias críticas de seus opositores, não apenas no establishment, especialmente pela sua cruzada contra ONGs de agendas progressistas.

Recebe também críticas da sociedade civil padrão [13], e os protestos partem principalmente do público mais jovem, uma minoria barulhenta, especialmente universitários[14]. Entretanto, ainda que sua oposição seja ferrenha aos valores cristãos como sua identidade nacional, sendo contrário ao casamento gay, aborto e maior rejeição a migrantes muçulmanos, seus ideias permanecem fortes não apenas na Hungria, mas sim em todo Leste Europeu[15].

Tais valores não são apenas ligados culturalmente, como estão escritos na Constituição Húngara, na qual o Santo Estevão é presente no preâmbulo, assim como o próprio cristianismo sendo fundador e formador da nação[16].

A Hungria não é um país rico, a ida de refugiados a seu território não são para moradia, apenas passagem; seus números de desenvolvimento humano, renda anual e índice de corrupção são incomparáveis com o país-modelo como a Noruega, ou outro paraíso nórdico.

A mesma Noruega que, diferentemente, vem desenvolvendo suas instituições democráticas por pelo menos duzentos anos, ao contrário da Hungria que até em 1980 era governada por um modelo repressor de cunho stalinista por Janos Kádar, aonde já em 1970 se encontrava os problemas da inserção do país em um mundo que viria a ser multilateral[17].

A comparação histórica entre Noruega e Hungria é desleal para exigir um padrão de regime do consenso internacional em 1814. O país nórdico tinha o esboço de uma constituição com liberdade para tal[18], enquanto no final do século XX a Hungria permanecia subjugada pela União Soviética. Evidente que esses fatores históricos não servem para a supressão de liberdade e da retomada a um autoritarismo, todavia é necessário dar tempo ao país para o seu desenvolvimento, ou a derrocada a um autoritarismo, o tempo dirá se a “democracia iliberal” e Orbán seja uma via alternativa ou um autoritarismo disfarçado. 

  • Tradicionalismo x Progressismo

A grande batalha entre esses dois polos, especialmente no Brasil se assemelha ao governo húngaro. Embates políticos entre o atual governo e a imprensa (que apesar de não declarada é sua inimiga), mostra a grande luta que um país majoritariamente conservador enfrenta.

A despeito de a batalha ser completamente assimétrica e a favor dos progressistas destruidores civilizacionais e de tudo que foi conquistado em sua “causa política”, a perspectiva de um verdadeiro tradicionalista é pela sua raiz etimológica, sua fé e patrimônio cultural que passam de geração a geração por sua entrega constante como é definido por José Pedro Galvão de Souza.

Nossa posição frente ao mundo moderno e toda sua degeneração podem ser definidas claramente com a citação de Spengler:

            “Nascemos neste tempo e devemos seguir corajosamente o caminho para o fim destinado. Não há outro caminho. Nosso dever é manter a posição perdida, sem esperança, sem resgate, como aquele soldado romano cujos ossos foram encontrados na frente de uma porta em Pompéia, que, durante a erupção do Vesúvio, morreu em seu posto porque eles esqueceram de dispensá-lo. Isso é grandeza. Isso é o que significa ser distinto. O final honroso é a única coisa que não pode ser tirada de um homem.”

Referências bibliográficas

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Democracy Index 2017. Disponível em: <https://pages.eiu.com/rs/753-RIQ-438/images/Democracy_Index_2017.pdf>, acesso em outubro de 2018.

ENCYCLOPÆDIA BRITANNICA. Hungary Story. Disponível em <https://www.britannica.com/place/Hungary/History#ref34820>, acesso em outubro de 2018.

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LEVITSKY, Steven; ZIBLATT, Daniel. Como as Democracias morrem: Zahar, 2018.

LASCH, Christopher. A rebelião das elites e a traição da democracia. Rio de Janeiro:

Ediouro, 1995.

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Pew Research Center. Disponível em: <http://www.pewforum.org/2018/10/29/eastern-and-western-europeans-differ-on-importance-of-religion-views-of-minorities-and-key-social-issues/>, acesso em maio de 2018.

KINGSLEY, Patrick. NY Times. Disponível em: <https://www.nytimes.com/2018/02/10/world/europe/hungary-orban-democracy-far-right.html>, acesso em novembro de 2018.

SCRUTON, Roger. A Dicionary Of Political Thought: MacMillan Press, 1982.

GYÖRGY SCHÖPFLIN: ILLIBERALISM OF ORBAN, MODERN HUNGARY AND POSITIONS OF FIDESZ. Entrevista ao Geopolítica.RU. Disponível em: < https://www.geopolitica.ru/en/article/gyorgy-schopflin-illiberalism-orban-modern-hungary-and-positions-fidesz>,acesso em outubro de 2018.

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<https://www.ohchr.org/en/NewsEvents/Pages/DisplayNews.aspx?NewsID=22765&LangID=E>, acesso em outubro de 2018.

Website of the Hungarian Goverment. Disponível em <http://www.kormany.hu/en/the-prime-minister/news/europe-s-strength-stemmed-from-nation-states>, acesso em outubro de 2018.


[1] SCRUTON, Roger. A Dicionary Of Political Thought p.116.

[2] General Elections in Hungary – 8th April 2018 – Results. Disponível em: <https://www.robert-schuman.eu/en/doc/oee/oee-1765-en.pdf>, acesso em outubro de 2018.

[3] KINGSLEY, Patrick. NY Times. Disponível em: <https://www.nytimes.com/2018/02/10/world/europe/hungary-orban-democracy-far-right.html>, acesso em novembro de 2018

[4] BOZOKI, Andras. Sciencie Po. Disponível em: <http://www.sciencespo.fr/ceri/fr/content/dossiersduceri/politics-worst-practices-hungary-2010s>, acesso em novembro de 2018.

[5]  UN Human Rights. Hungary: Opinion Editorial by UN High Commissioner for Human Rights Zeid Ra’ad Al Hussein Disponível em: <https://www.ohchr.org/en/NewsEvents/Pages/DisplayNews.aspx?NewsID=22765&LangID=E>, acesso em outubro de 2018.

[6] KINGSLEY, Patrick. NY Times. Disponivel em: <https://www.nytimes.com/2018/04/06/world/europe/viktor-orban-hungary-politics.html>, acesso em novembro de 2018.

[7] LEVITSKY, Steven; ZIBLATT, Daniel. Como as democracias morrem: ZAHAR, 2018 p.12

[8] Ibidem  p.86

[9] Democracy Index 2017, Disponível em: <https://pages.eiu.com/rs/753-RIQ-438/images/Democracy_Index_2017.pdf>, acesso em outubro de 2018.

[10] Open Society Foundations. What is iliberal Society? Disponível em: <https://www.opensocietyfoundations.org/voices/what-illiberal-civil-society>,acesso em outubro de 2018.

[11] Teoria defendida pelo cientista político Aleksandr Dugin onde uma humanidade composta pelo liberalismo individualizante é naturalmente impelida à direção de universalidade e governança global, governo mundial nascem como o globalismo. Visão veja mais em Fourth Political Theory p. 12: Eurasian Movement, 2012.

[12] Website of the Hungarian Goverment. Disponível em <http://www.kormany.hu/en/the-prime-minister/news/europe-s-strength-stemmed-from-nation-states>, acesso em outubro de 2018.

[13] HEGEDUS, Daniel. Freedom House. Disponível em: <https://freedomhouse.org/sites/default/files/NiT2018_Hungary.pdf>, acesso em novembro de 2018

[14] NY Times. Disponível em: <https://www.nytimes.com/2018/04/14/world/europe/hungary-protest-orban.html>, acesso em novembro de 2018

[15] Pew Research Center. Disponível em: <http://www.pewforum.org/2018/10/29/eastern-and-western-europeans-differ-on-importance-of-religion-views-of-minorities-and-key-social-issues/>, acesso em maio de 2018.

[16] Hungary Constitution 2011. Disponível em: <https://www.constituteproject.org/constitution/Hungary_2011.pdf>, acesso em novembro de 2018

[17] ENCYCLOPÆDIA BRITANNICA. Hungary Story. Disponível em <https://www.britannica.com/place/Hungary/History#ref34820>, acesso em outubro de 2018.

[18]Indresøvde, Eivind, Democracy in Norway in a Historical Perspective. Disponível em: <https://brage.bibsys.no/xmlui/bitstream/handle/11250/2467236/Chapter%205%3A%20Democracy%20in%20Norway%20in%20a%20Historical%20Perspective%20/%20Eivind%20Indres%C3%B8vde?sequence=11>, acesso em outubro de 2018.


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