Era Uma Vez… um Filme Conservador

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O 9º filme do icônico diretor Quentin Tarantino, “Era uma vez… em Hollywood”, lançado em 2019, é uma obra-prima de metalinguagem que homenageia, de forma bastante espirituosa, a indústria cinematográfica. Mas não se trata de uma homenagem perdida no tempo ou desprendida de segundas intenções.

Tarantino revisita o que foi para ele e para tantos outros apreciadores da sétima arte a era de ouro do cinema americano. Ele volta à década de 1960 para relembrar os famosos faroestes e suas estrelas, bem como o contexto social e político daquela época.

Quem assistiu ao filme apenas uma vez geralmente relata o incômodo de ter visto um Tarantino diferente, mais monótono, que só retorna ao seu estilo frenético e violento nos últimos 15 minutos da película. De certa forma, isso é verdade.

No entanto, o estranhamento causado à maioria dos espectadores deve-se à ausência de alguns inputs necessários para assistir ao filme e compreender suas provocações e referências. E também para elucidar o fato de que o diretor, intencionalmente ou não, produziu um cânone do que pode ser chamado conservadorismo cultural.

Antes de mais nada, vamos tratar de preencher a lacuna que falta para entender que o filme é algo mais do que apenas um tributo ao cinema hollywoodiano.

Para isso, é fundamental que o leitor tenha o mínimo de informação sobre quem foi Charles Manson e o bárbaro crime cometido por membros de sua legião de seguidores, que ficou conhecida como Manson Family.

Então vamos lá.

Charles Manson e Helter Skelter

Resumindo, Charles Manson foi um músico frustrado e criminoso que, após passar mais de metade dos seus 32 anos preso, deixou a penitenciária em 1967 e começou a arregimentar jovens para viver junto consigo um estilo de vida regado a muito rock n’ roll, sexo livre e drogas. O grupo viveu em um antigo set de filmagens no subúrbio de Los Angeles chamado Spahn Ranch, onde estabeleceram uma comunidade hippie.

Manson havia sido introduzido ao ocultismo e a técnicas de hipnose na cadeia, o que, somado ao consumo desenfreado de alucinógenos por parte de seus discípulos, contribuiu para que ele conseguisse os ludibriar de sua pretensa divindade e da sua teoria acerca de uma guerra racial a ocorrer nos EUA, denominada por ele de Helter Skelter, em referência a uma canção dos Beatles, banda da qual era fã.

Manson dizia que, para o tal conflito fatal entre negros e brancos eclodir, era necessário um gatilho, que deveria ser acionado por ele e seus seguidores. Por isso, na noite de 9 de agosto de 1969, ele os envia a Cielo Drive 10050, endereço da atriz e esposa do diretor Roman Polanski, Sharon Tate, para assassinar brutalmente todos os residentes da mansão.

Após cumprir o ordenado por seu líder, os assassinos escreveram a palavra pigs (porcos) na parede da casa usando o sangue das vítimas. Pigs, por sinal, era o termo utilizado pelos negros da época para se referir à polícia, e Manson queria que essa falsa pista levasse à conclusão de que a autoria dos assassinatos fora de invasores negros, na esperança de desencadear a sua guerra racial.

Charles Manson, líder de seita hippie nos EUA, foi o mentor por detrás dos assassinatos de 9 e 10 de agosto de 1969.

Se você ficou interessado em saber mais sobre a história de Charles Manson, das demais figuras citadas e o desfecho desse caso, leia aqui¹.

Pronto, agora que você já está a par dos acontecimentos utilizados como pano de fundo por Quentin Tarantino em Era uma vez… em Hollywood, vamos partir para a segunda parte deste artigo, que irá explicar como a obra pode ser considerada um grande filme de viés conservador.

Make America Great Again e a New Left

O fato de o diretor ter produzido um filme de época, retratando uma era do cinema que é motivo de orgulho para os americanos, já carrega em si o saudosismo e o ufanismo característicos do conservadorismo político.

A propósito, esses dois elementos ajudam a definir o que é o movimento conservador dos Estados Unidos atual, liderado por Donald Trump e seu “Make America Great Again”: nostálgico, patriota, menos evangélico e mais descolado, mas sem precisar ser identitário ou pós-moderno e, por isso mesmo, anti new-left.

Tais ingredientes, inclusive, irão temperar o maior de todos os componentes que Tarantino sempre lança mão em seus filmes: a vingança. Vingança que em Era uma vez… em Hollywood é geracional, cultural e ideológica. Vamos entender a partir de mais indícios encontrados durante a obra.

Os dois personagens principais da história, o ator Rick Dalton (Leonardo DiCaprio) e o seu fiel amigo e dublê Cliff Booth (Brad Pitt), dão vida a duas espécies de herói antiquado, desconfortáveis com o avançar da idade, com o iminente final de suas carreiras e com os novos tempos e costumes dos anos 60.

Cowboys vs. Hippies

No que diz respeito a Dalton, seu traço conservador mais evidente é a sua absoluta repulsa aos hippies que vagueiam pelas ruas de Los Angeles. Logo no início do filme, quando Booth o leva de volta para casa de carro, ao pararem no sinal vermelho e avistarem um grupo de bichos-grilo tagarelando na esquina, ele solta um “malditos hippies filhos da mãe”. 

Mais tarde, já na sequência final do filme, Rick Dalton revela mais uma vez seu lado conservador quando se depara com os hippies estacionados na frente da sua casa. Ao ir em direção a eles, começa a resmungar sobre os impostos cobrados na cidade e dispara novamente ofensas aos hippies, lembrando-os de que a rua onde estão estacionados é de sua propriedade.

Por fim, Dalton tem sua vingança alcançada contra a geração que tanto odeia ao atear fogo (com um lança-chamas!!!) em uma das seguidoras de Manson, que viera parar na sua piscina após ser atacada pela pitbull de Booth.

Já o personagem de Brad Pitt, Cliff Booth, é talvez quem melhor encarne a mensagem conservadora contida em “Era Uma Vez… em Hollywood”².

Quarentão, veterano da segunda guerra mundial, parrudo, meio caipira, hard working, sempre acompanhado da sua pitbull Brandy e calçando suas botas de cowboy, Booth é o retrato fiel do macho-alfa nascido na geração conhecida como baby boomer.

Por consequência natural, Booth representa a exata antítese do jovem hippie da geração seguinte, que usa cabelos longos, roupas esculachadas, possui trejeitos afeminados, está constantemente drogado e que nunca trabalhou na vida.

Booth também protagoniza os momentos mais marcantes do filme e os que melhor definem a verve conservadora da película. A cena mais memorável e que enquadra com perfeição esse conflito tanto ideológico, quanto de geração e de costumes, é na qual Booth deixa a casa de George Spahn, no set de filmagens, e a hippie para quem havia dado carona até o local diz que ele a envergonhara na frente de seus amigos.

No caminho para o carro, a câmera captura Booth de lateral, andando com passos firmes, tendo do outro lado uma fila de hippies que o estão a vaiá-lo e a expulsá-lo do rancho ao som de Don’t Chase Me Around, de Robert Corff. Ao chegar no carro, ele encontra o pneu dianteiro furado com uma faca, e constata que o autor da trapaça é o hippie com cara de retardado que está rindo dele sentado sobre uma cerca.

Por sinal, esse hippie, que no filme é batizado de Clem, é um personagem extraído da vida real.

Trata-se de Steve Grogan, um dos poucos remanescentes da Família Manson em liberdade hoje em dia, que em 1969 matou um dublê, Donald Shea, também morador do rancho onde viviam os discípulos de Charles Manson. Tarantino aproveita para, além da vingança ficcional, também vingar a morte de Shea ao colocar Cliff Booth, outro dublê, para dar uma surra no hippie em resposta à sua recusa em trocar o pneu furado³.

Durante toda a história, percebemos que Cliff Booth personifica o típico americano tradicionalista.

Ele gosta de usar uma camiseta com a palavra Champion – que além de dar nome a uma famosa marca americana de peças automobilísticas pode simbolizar o orgulho de ter sobrevivido à guerra e vencido os nazistas – e o seu jeito de ser transmite uma mensagem de retidão, bravura, companheirismo, honestidade, espírito empreendedor e, principalmente, de negação à geração corrompida pela new-left.

Ao final do filme, em uma sequência antológica, Booth promove outra vingança, dessa vez à morte da atriz Sharon Tate, dando aos seus assassinos psicopatas o fim que todos nós gostaríamos que eles tivessem tido e mudando – ao menos nas telas do cinema – o curso da história.

Para finalizar, outro indício que faz de Era uma vez… em Hollywood um filme a ser colocado na coletânea do conservadorismo cultural é a cena na qual os integrantes da seita de Manson, que se dirigiram à casa de Rick Dalton na noite de 9 de agosto, estão dentro do carro confabulando sobre como voltar ao local e matá-lo.

Durante a conversa, uma das garotas diz que os assassinatos que estão prestes a cometer são justificáveis, já que, segundo ela, os jovens pertencem à geração que foi influenciada por atores hollywoodianos “fascistas” dos anos 50 a nutrirem ódio e desejarem matar as pessoas. Num rompante de insanidade, a garota sentencia “nós vamos matar as pessoas que nos ensinaram a matar”.

Certamente Tarantino quis com isso jogar luz ao relativismo moral e ao pensamento vitimista e transferidor de responsabilidades, característico dos jovens sugestionados por ideólogos marxistas como Marcuse, Sartre, Chomsky, etc., todos ligados à Escola de Frankfurt e mentores da new-left e do laboratório de experimentos políticos e sociais excrescentes que foram os anos 60.

Quentin Tarantino é um Conservador?

Não podemos afirmar que Quentin Tarantino é um diretor conservador. Na verdade, sua filmografia engloba títulos que, por vezes, também flertam com valores da agenda progressista. Talvez ele esteja mais para um provocador ambíguo.

No entanto, não é exagero atribuir a Era uma vez… em Hollywood a alcunha de filme conservador. É inegável que Tarantino quis não tão somente homenagear os anos dourados do cinema americano, como também transmitir uma crítica a parte de uma geração cujo comportamento, escolhas e atitudes diante da vida incomodavam-no de alguma forma.

Diferentemente do ocorrido na história real, no filme de Tarantino os anos 60 terminaram com o fracasso das ações da Família Manson, que pode ser interpretado também como a derrota fictícia da esquerda.

Fora o diretor motivado por um posicionamento político ou apenas por um conservadorismo inconsciente para escrever essa mudança de destinos é algo que tanto nós, quanto ele próprio, ainda iremos descobrir.

Referências

¹ https://revistagalileu.globo.com/Sociedade/noticia/2019/07/quem-foi-charles-manson-o-lider-da-seita-que-aterrorizou-os-eua-em-1969.html

² https://medium.com/@bradcaviston/is-quintin-tarantino-a-conservative-66b206b5f7a3

³ https://www.youtube.com/watch?v=rJsKqAlOmkU&list=RDCMUCVjsbqKtxkLt7bal4NWRjJQ&start_radio=1&t=0


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