O Brasil tem apenas homens brancos como heróis?

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Por Luís Tourinho¹

Estava lendo uma entrevista com a historiadora (e esquerdista) Lilia Moritz Schwarcz, com o título “Por que será que todos os nossos heróis são homens e brancos?”, legitimando, ou pelo menos olhando com bons olhos, os recentes protestos ao redor do mundo em que os manifestantes derrubavam ou pichavam estátuas de figuras históricas que poderiam representar a opressão, a escravidão, a visão eurocêntrica, a invasão européia, ou seja, tudo o que movimentos de extrema-esquerda subjetivamente e unilateralmente classificam como “mau”.

Coincidentemente, comecei a ler ontem a nova edição do livro do também historiador Aurélio Schommer, intitulado História do Brasil vira-lata. Razões históricas da tradição autodepreciativa brasileira (por sinal, de fácil leitura sem perder certa profundidade). Nos dois primeiros capítulos, um sobre os índios e outro sobre os africanos, o autor mostra a contribuição de ambos os grupos para a formação do Brasil e cita vários personagens históricos que foram, infelizmente, esquecidos.

No caso indígena, o primeiro nome a ser citado seria o do líder Arariboia, posteriormente chamado de Martim Afonso de Souza (em homenagem ao antigo governador português). Em meados do século XVI houve na atual região da baía de Guanabara (no estado do Rio de Janeiro) uma forte disputa territorial entre portugueses e franceses, tanto que estes fundaram a França Antártica, em 1555, mas acabaram expulsos em 1567 graças ao nativos fiéis à coroa portuguesa e liderados pelo Arariboia. Por conta disso, foi agraciado com o hábito da Ordem de Cristo e recebeu várias terras que correspondem hoje à cidade de Niterói. Inclusive, houve vários descendentes importantes com o sobrenome Souza ao longo dos séculos.

Outro caso é o de Felipe Camarão, um dos chefes dos potiguaras – tupis que ocupavam os atuais estados do Rio Grande do Norte, Ceará, Paraíba e outros. Ele ajudou tanto na expulsão dos holandeses (ou batavos) no Nordeste brasileiro, principalmente na famosa Batalha do Guararapes, em 1649, que foi agraciado também com a Ordem de Cristo. Enobrecido, recebeu o cargo de capitão-mor, pensão vitalícia e hereditária, etc. No Rio Grande do Norte há uma reverência popular e oficial a ele que chega ao ponto do palácio sede da prefeitura de Natal levar seu nome.

Um personagem que também contribuiu à Batalha do Guararapes foi o negro Henrique Dias, enobrecido por conta de sua ajuda no conflito, agraciado (mais um) com a Ordem de Cristo. Filho de ex-escravos, alista-se como voluntário na guerra contra os holandeses e se destaca pela bravura nos combates, recebendo o encargo de formar uma milícia própria, denominada posteriormente de “terço dos henriques”, composta por africanos e seus descendentes, contando alguns de elevada posição social.

Já no século XIX, o cronista inglês Henry Koster, passando por Recife, registra a tropa dos henriques como a mais unida e garbosa da colônia, formada por negros livres. Schommer escreve: “as tropas formadas por negros e pardos levavam o terror aos inimigos de Portugal. Eram particularmente temidas […] A Coroa confiava mais nelas do que em suas tropas regulares, pouco disciplinadas e combativas.”

Indo mais adiante, mais especificamente ao período do Brasil Império (1822-1889), temos a família Rebouças, proveniente da cidade baiana de Maragogipe. O pai, Antônio Pereira Rebouças, nascido “cabra² e pobre”, fez-se deputado do Império por mais de quatro vezes. Conselheiro do imperador, dizia “todo preto ou pardo pode ser general”. Inclusive, defendia a economia de mercado e lutava pelo livre comércio. O filho, André Rebouças, foi um importante engenheiro e político no Segundo Reinado, tornando-se um dos líderes da causa abolicionista e ferrenho monarquista.

Já como figuras femininas posso mencionar três baianas. As duas primeiras são figuras heróicas para o processo de independência do Brasil: Madre Joana Angélica e Maria Quitéria. A primeira, natural de Salvador e abadessa do Convento da Lapa, é considerada uma mártir da independência, pois resistiu à invasão de tropas portuguesas ao seu convento dizendo “Para trás, bandidos! Respeitai a casa de Deus! Só entrarão passando por cima do meu cadáver!”, sendo morta por um golpe de baioneta, gerando uma enorme comoção popular e lembrada até hoje pelo povo baiano.

A outra, Maria Quitéria, nascida em Feira de Santana, fugiu da fazenda em que morava com a família e, sob a identidade masculina, alistou-se no Batalhão dos Periquitos, localizado na cidade de Cachoeira. Após a guerra, foi condecorada com a Ordem do Cruzeiro  e recebeu um soldo vitalício. É reconhecida por ser a primeira mulher a assentar praça numa unidade militar das Forças Armadas Brasileiras.

Uma terceira baiana se destacou bastante na Guerra do Paraguai (1864-1870): Ana Nery. Natural da cidade de Cachoeira, Nery pede para que ela fosse à guerra, pois seus filhos e irmão tinham sido convocados. Ela atuou como enfermeira nesse conflito e prestou serviços ininterruptos nos hospitais militares de Salto, Corrientes, Humaitá e Assunção, como em outros, chegando a ver morrer na luta um de seus filhos. Retornando à Bahia é recebida como heroína e hoje em dia é a patrona da enfermagem no Brasil.

É curioso lembrar que o próprio escritor estudado e mencionado na entrevista por Lilia Schwarcz, Lima Barreto, era um ferrenho monarquista e considerava que o regime republicano, implantado por um golpe militar, tinha reforçado os problemas raciais no Brasil.

Por fim, não é que o Brasil não tenha heróis indígenas, negros ou mulheres como a esquerda argumenta para poder legitimar manifestações violentas, depredações, apagamento da história e outras barbaridades, e sim que nossos heróis com essas características eram católicos e, de certa forma, monarquistas. Ou seja, a esquerda não quer reescrever a história para se buscar a Verdade, mas sim instrumentalizar as ditas minorias para seu projeto totalitário de poder.

Então, se nós nos esquecemos desses personagens, boa parcela de culpa é da esquerda e não da direita. Cabe a nós o papel de redescobri-los e divulgá-los, e não simplesmente inventá-los a partir de fraudes históricas, pois essa é uma especialidade das ideologias revolucionárias.

Notas

¹ Bacharel em Ciências Econômicas pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) e mestrando em Educação pela Universidade Católica de Petrópolis (UCP). E-mail: luistourinho@hotmail.com

² Pardo escuro.


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