O novo modismo da internet é falar sobre secessão (em uma linguagem mais popular, separatismo). Após o referendo da Catalunha e a relativa ascensão do movimento O Sul é o Meu País, os anarcocapitalistas surgiram com as suas opiniões embasadas no nada. Os ancaps, como são chamados, possuem histórico de dar palpites, sem qualquer leitura prévia e com a sua característica simplificação excessiva da realidade.
Guiados pelo ex-mágico Raphael Lima, os anarcocapitalistas (e alguns liberais senso comum) afirmam com todas as letras: toda secessão deve ser incentivada, independentemente dos anseios populares atuais. O dever ser estabelecido pressupõe que uma secessão necessariamente vai fazer com que o país seja mais livre, ou seja, mais alinhado ideologicamente com o libertarianismo.
O principal argumento utilitário é: em países menores, a população fica “mais próxima” do governo, o que infere, automaticamente, em mais liberdade. Não é preciso demonstrar que há um tremendo salto lógico nesta concepção.
A partir de agora iremos direto ao ponto em questão, e posteriormente falaremos sobre a questão do “direito natural” à autodeterminação, além de comentar os principais anseios separatistas que norteiam os debates atuais.
A conclusão que se pode chegar analisando os argumentos utilitários libertários para a irrestrita secessão é que, quanto menor um país, mais livre será – e por isso toda secessão deve ser incentivada. O que é claramente falso. Não há nenhuma relação entre tamanho territorial e liberdade econômica.
A Suíça e a Albânia são países pequenos, mas a Suíça possui um alto teor de liberdade, enquanto a Albânia não apresenta. Os EUA e a Rússia são países imensos, e enquanto os EUA são um país considerado liberal (sempre figurando entre os 20 países mais livres, em todos os índices disponíveis), a Rússia é um país excessivamente intervencionista, sempre figurando nas últimas posições dos respectivos índices.
Os libertários estão certos ao almejar uma maior descentralização do poder, entretanto, caem no equívoco de achar que essa descentralização deve ser concebida pela secessão, e não através de uma federalização. Caem no equívoco de achar que secessão necessariamente implica em uma maior emancipação individual perante o Estado. Como o movimento libertário é composto predominantemente por adolescentes (que possuem uma receptividade maior com ideais revolucionários), estes acreditam que a medida mais radical sempre irá solucionar o problema. Querem soluções simples para problemas complexos.
Constata-se que, para um país prosperar, o Estado deve exercer apenas funções básicas. O que garante o desenvolvimento de uma nação é um governo que defina bem o direito de propriedade, forneça segurança jurídica, separação dos poderes, leis que garantam a civilidade, liberdade de expressão e imprensa, dentre outros. O separatismo, pelo contrário, tende a criar mais burocracias entre as relações sociais, conforme será explanado posteriormente.
Ao propor que a secessão deva ser levada às suas últimas consequências, os libertários defendem que cada cidade, cada bairro ou até cada condomínio funcione como um país, mas ignoram que não existe capitalismo em um mundo quebrado em centenas de milhares de “micropaíses” (o que tornaria o comércio inviável).
Adentrando na questão monetária, cada “micropaís” deste que possuir uma moeda distinta, não representará o sonhado livre mercado de “milhares de moedas competindo entre si”, mas tão somente um retrocesso ao escambo. Imagine que cada família resolva emitir seu próprio dinheiro: nada garante que a família X irá aceitar a moeda da família Y, e não aceitando, as trocas serão a única opção. Haveria uma perversão da finalidade da moeda, que é facilitar as trocas, ao invés de complicá-las.
Dentro da realidade concreta, uma simples secessão gradual também possui inúmeros problemas, já que a criação de outro Estado repercute em burocracias para a imigração, legislação tributária, ausência de segurança jurídica e maior vulnerabilidade em eventuais guerras, já que territórios menores e menos povoados são presas historicamente mais fáceis.
Em relação à economia, o investidor não injeta dinheiro sem ter qualquer garantia de que daqui a alguns anos não haverá mudanças bruscas e o seu dinheiro continuará seguro; tal garantia é muito mais estável em um país consolidado por séculos. Indissolubilidade proporciona maior segurança jurídica, econômica e política, já que o tempo proporciona um maior grau de confiabilidade tanto com a sua população quanto com os outros países.
Além do exposto, para ser reconhecido pelas demais nações como um país e formar todos os laços diplomáticos, há uma série de burocracias, o que pode levar dezenas ou até centenas de anos para a sua concretização.
Isso quer dizer que a secessão é sempre negativa? Óbvio que não! Mas deve estar consoante com problemáticas realmente não solucionáveis, como divergências étnicas, religiosas e culturais drásticas que não possibilitem a harmonia entre os habitantes. Caso a problemática seja de ordem econômica, por exemplo, deve-se debater a movimentação dos recursos entre estados, e não apelar para a medida mais drástica possível, que é a secessão – podendo incorrer nos problemas anteriormente mencionados e que causarão sérios danos à ordem social.
Na situação verificada na Espanha, por exemplo, há uma diferença substancial em termos de idioma e cultura, mas será que há necessidade de secessão? A convivência é harmônica, possui uma constituição típica de um Estado descentralizado (concebe autonomia aos estados), além de proporcionar uma boa distribuição dos recursos.
Até mesmo a vontade popular é questionada: não há garantias que a população catalã de fato queira se separar, haja vista que o comparecimento no referendo representou apenas 43% dos 5,3 milhões de eleitores – a maioria dos opositores à independência não foi votar, já que foi uma consulta informal, sem poder vinculante. Há suspeitas, também, sobre pessoas terem votado mais de uma vez, já que a votação foi organizada estritamente por separatistas, não havendo qualquer controle que ateste confiabilidade.
A prova de que não há consenso nesta questão é que milhares de pessoas participaram de uma marcha contra a secessão, em Barcelona:
No que diz respeito à “autodeterminação”, afirmo-lhes que a Catalunha é um patrimônio cultural e imaterial da Espanha e a vontade momentânea da população deve ser observada, mas de maneira alguma pode ser o único critério: há inúmeros fatores e requisitos que devem ser observados e resguardados. Como prelecionou Edmund Burke (1729-1797): “a sociedade é uma comunidade de almas que reúne os mortos, os vivos e os que ainda não nasceram”. Uma maioria temporal não pode soterrar e vilipendiar valores e aspectos atemporais, que estão acima do tempo e do espaço.
O separatismo gera uma ruptura revolucionária e deve ser olhado sob uma perspectiva prudente e não necessariamente democrática. Russell Kirk (1918-1994), o maior expoente do conservadorismo americano, se inspirou em Burke e em Platão para expôr o denominado Princípio da Prudência: “a prudência é a maior das virtudes, qualquer medida pública deve ser julgada pelas suas consequências de longo prazo e não apenas por vantagens temporárias.” Tudo deve ser posto em discussão, para somente então, em último caso, se discutir uma secessão.
Se há uma certa polêmica em relação à Catalunha, não podemos dizer o mesmo dos movimentos separatistas brasileiros, já que não há demanda e tampouco motivos consideráveis para uma secessão de qualquer das regiões. Um país que, como qualquer outro, possui suas variantes culturais de região para região, de estado para estado, mas que tais variantes são insuficientes para ocasionar conflitos propriamente ditos e justificar uma medida drástica como a secessão.
O Brasil é um país que possui apenas um idioma, 90% da população é cristã e possui diversas características intrínsecas aos brasileiros. Há uma tentativa de criar uma demanda artificial, uma tentativa de impor um sentimento separatista que não existe, sobretudo no Nordeste. Por mais que aleguem acontecimentos históricos antigos, os brasileiros são patriotas em sua imensa maioria, e não há qualquer razão suficientemente fundamentável para sustentar uma secessão. Havendo problema na distribuição de recursos entre os estados, é muito mais fácil discutir isto, conjuntamente ao federalismo, do que partir para uma medida drástica e praticamente irreversível.
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