Quem viveu até os anos 90 tem boas recordações: frequentava locadoras ao fins de semana, assistia à MTV, passava um bom tempo ao telefone conversando com o(a) namorado(a), as moças escreviam cartas de amor, os rapazes tinham que conhecer a família para ter um relacionamento sério e as crianças se divertiam na rua jogando bola ou andando de bicicleta.
Com os anos 2000, a tecnologia evoluiu; a internet fez com que tudo se tornasse mais rápido, mais dinâmico. Isso se tornou bom para o trabalho em geral, mas péssimo para os relacionamentos. E as crianças foram as mais afetadas, porque agora não querem sair de casa. Seu prazer é estar diante de uma tela de celular sendo entretidas por desenhos (e sabe Deus o que mais) enquanto que seus pais estão em outra tela assistindo intermináveis episódios em streaming.
Hoje já é possível colher os frutos destes péssimos hábitos: pela primeira vez, a nova geração tem um QI inferior ao de seus antecessores. Quem explica é o neurocientista Michel Desmurget, autor de “A fábrica de cretinos digitais” (publicado pela Editora Vestígio) que, com o avanço tecnológico, a produção intelectual diminui. A saúde, concentração e memória, que contribuem para um QI mais alto, podem ser facilmente prejudicadas pela exposição frequente às telas.
“Os principais alicerces da nossa inteligência são afetados: linguagem, concentração, memória, cultura (definida como um corpo de conhecimento que nos ajuda a organizar e compreender o mundo). Em última análise, esses impactos levam a uma queda significativa no desempenho acadêmico.”
A exposição em demasia também prejudica as relações intrafamiliares, que são essenciais para o desenvolvimento e do emocional. E para as crianças é um perigo maior, pois elas podem se tornar viciadas.
O Dr. Peter Whybrow, diretor de neurociência da UCLA, se refere às telas como “cocaína eletrônica”, e os pesquisadores chineses as chamam de “heroína digital”. A comparação não é tão absurda como se pensa: estudos mostram que o uso de telas afetam o córtex cerebral frontal – que controla as funções executivas, incluindo o controle dos impulsos – do mesmo modo que a cocaína age.
A tecnologia é tão hiperestimulante que é capaz de aumentar os níveis de dopamina – o neurotransmissor do bem-estar mais envolvido na dinâmica do vício – tanto quanto o sexo.
Um detalhe curioso: os executivos e engenheiros de TI do Vale do Silício matriculam seus filhos em escolas que não utilizam tecnologia.
Um dos fatores prejudiciais à exposição em demasia é a falta de concentração e memória. Utilizar celulares e laptops para escrever não auxilia tanto quanto o bom e clássico (não velho) lápis. E há estudos que comprovam isso.
Pesquisadores das Universidades da Califórnia e de Princeton realizaram um experimento em 2014: Dois grupos de estudantes foram avaliados em aulas de diversas disciplinas, como biologia, matemática e economia. Só que um grupo tomou notas com laptops; o outro, com papel e caneta.
O grupo que anotou tudo à mão registrou uma quantidade menor de informações, mas conseguiu se sair melhor que a turma que usou notebooks em quesitos como memória, compreensão e capacidade de generalização. E por ser um exercício cerebral, escrever à mão pode ajudar a prevenis doenças degenerativas, como o mal de Alzheimer.
Porém, retirar as telas de uma criança pode ser uma tarefa complicada, ainda mais quando há “estudos” que mostram que “videogames ajudam a melhorar os resultados acadêmicos“. O Dr Desmuget explica:
“Digo com franqueza: isso é um absurdo (…) Em uma interessante pesquisa experimental, consoles de jogos foram dados a crianças que iam bem na escola. Depois de quatro meses, elas passaram mais tempo jogando e menos fazendo o dever de casa. Suas notas caíram cerca de 5% (o que é muito em apenas quatro meses!)”
De todos os males relatados, a interferência nas relações familiares é o mais grave. Crianças expostas excessivamente à telas são resultado de pais ausentes, que se negam (talvez, não de forma consciente) a dar a atenção e o cuidado necessário. Resultado de quem quer “sossego” e, para isso, entrega um celular para a criança, onde ela pode ter acesso a tudo (inclusive pornografia), apenas para “ficarem em paz”.
Nossa geração é descompromissada com a educação dos pequenos. deixando à cargo da escola e das telas esta função. Os frutos podres desta abstenção, já relatados aqui, virão a seu tempo.