Em 2005 o mundo assistiu horrorizado os efeitos do Furacão Katrina: o fenômeno atingiu o sul dos Estados Unidos; o local mais afetado foi a cidade de New Orleans, no estado da Louisiana.
Em 29 de agosto, a maré de tempestade do Katrina causou 53 diferentes pontos de acometimento na Grande Nova Orleans, submergindo oitenta por cento da cidade. Um relatório de junho de 2007 feito pela Sociedade Americana de Engenheiros Civis indicou que dois terços das inundações foram causadas pelas múltiplas falhas nas barreiras da cidade. Não foram mencionadas as comportas que não foram fechadas. A tempestade também devastou as costas do Mississippi e do Alabama, tornando o Katrina o mais destrutivo e mais caro desastre natural na história dos Estados Unidos.
Infelizmente, uma situação pior que a do Furacão Katrina ocorreu em solo brasileiro: constantes chuvas entre o fim de Abril e início de Maio no Rio Grande do Sul desencadearam enchentes que, dos 497 municípios, 447 foram afetados e entraram em estado de calamidade pública.
E tal aconteceu em New Orleans, a gravidade da situação no sul ocorreu por descaso das autoridades, tanto a nível estadual como federal; por já ter sofrido uma enchente em 1941, Porto Alegre possui 14 comportas e 23 bombas de sucção que são uma proteção criada para evitar este tipo de caos. Contudo, esse sistema apresentou falhas. O descaso com a falta de manutenção e de investimentos fez com que o sistema não funcionasse como deveria.
O sistema de comportas foi reformado em 2012, assim como o muro da av. Mauá. Ganharam equipamentos que permitiriam a abertura e fechamento de forma mecanizada. De lá para cá, no entanto, a maioria dos motores foi roubada e os demais não tiveram a manutenção adequada e estão sem funcionar. Atualmente, o fechamento precisa ser feito de forma manual por retroescavadeiras, que empurram ou içam as comportas. Algumas delas podem ser movidas pelos próprios trabalhadores, com auxílio de cordas. E pior: em nenhuma delas não há uma vedação completa entre as comportas e os muros.
Em alguns casos, há brechas que chegam a ter 10 centímetros, por onde a água vaza. O problema é tamanho que a prefeitura, depois de fechar as comportas, precisou recorrer a uma solução medieval e colocou sacos de areia atrás e na frente dos portões de aço para auxiliar na vedação. A solução, porém, se provou 100% ineficiente.
Mas, vamos voltar um pouco a fita: as enchentes começaram em 27 de Abril e pioraram entre 30 de Abril e 1 de Maio; porém, para a imprensa dita “tradicional”, tudo estava normal. Por que? Porque a Madonna faria um show no Rio de Janeiro.
A apresentação da senhora idosa que ainda pensa ser virgem (“Like a virgin”) foi organizada pelo prefeito do Rio, Nervosinho das planilhas da Odebrecht, também conhecido como Eduardo Paes. Com tantas demandas na cidade, Paes desembolsou R$ 50 milhões para o evento, fora o patrocínio do Banco Itaú.
E durante toda aquela semana (em que se avizinhava uma tragédia no sul do país) a rede Globo fez a cobertura completa da chegada de Madonna, falou da “expectativa” dos fãs, entre outras coisas. O sul? Para a Globo, não existia. E até William Bonner não apresentou o jornal durante os dias que antecederam a apresentação.
O show de horrores ocorreu no sábado, dia 4 de Maio. Neste mesmo dia, o RS já contabilizava 55 mortos, com 74 desaparecidos, mais de 400 mil pontos sem energia elétrica, 186 municípios sem sinal de internet e telefone e mais de 1 milhão de casas estavam sem abastecimento de água. Enquanto isso, a globo se preocupava em exibir o maior evento pornográfico a céu aberto do Brasil.
A apresentação (relembrando, bancada com dinheiro público) foi de uma baixaria sem tamanho: simulação de sexo, masturbação, beijos lésbicos, seios à mostra e, claro, zombaria com o nome de Jesus. Toda essa salada mista podre causou revolta na ala conservadora, o que não era para menos.
A Comissão de Previdência, Assistência Social, Infância, Adolescência e Família da Câmara dos Deputados aprovou uma moção de repúdio contra o show da cantora Madonna. Pabllo Vittar e Anitta, que também se apresentaram, assim Eduardo Paes e o governador do Estado, Cláudio Castro (PL), também foram alvos da moção.
“O caráter erótico e de inspiração pornográfica de suas coreografias – que simulavam posições sexuais e verdadeiras orgias no palco –, além de torná-las impróprias à audiência mais jovem da apresentação – que foi transmitida em rede nacional, sendo acompanhada por milhões de brasileiros de todas as idades, inclusive crianças –, ofende gravemente os princípios morais da maioria da população brasileira, e mesmo o mínimo padrão de decência necessário a uma convivência social harmoniosa”, diz trecho do requerimento.
Enquanto todos estavam ignorando o que estava ocorrendo no sul, a internet não parou; vídeos e mais vídeos denunciavam o descaso do poder público (especialmente federal), ao mesmo tempo que mostravam a força do povo em se ajudar. A expressão “Civil salva civil” começou a ganhar força. Populares se uniram para resgatar os que ficaram ilhados, utilizando de barcos e jet skis. Uma das pessoas que se mobilizou foi o surfista Pedro Scooby.
Assim que Madonna foi embora (difamando o Brasil, diga-se de passagem), a imprensa se lembrou: “Ora, mas o sul está passando por isso!”. William Bonner, com o maior descaramento já visto, apresentou o Jornal Nacional direto de Porto Alegre com uma camisa preta e cara de “poucos amigos”. E aqui conto alguns detalhes que envolvem a globo e a tragédia.
Enquanto os governos dos estados do Rio, Minas Gerais e São Paulo enviaram helicópteros e barcos para ajudar nos resgates, e Luciano Hang, dono das lojas Havan, mobilizou o helicóptero da empresa para ajudar nas buscas, a Força Aérea Brasileira alegava que “por conta do mau tempo” não estava conseguindo enviar aeronaves. Enquanto civis se mobilizavam com barcos e jet skis, um dos representantes do Corpo de Bombeiros disse que equipamentos NOVOS não poderiam ser utilizados, apenas em águas cristalinas, e nunca para resgates (recomendo que baixem o vídeo antes que suma com ele).
Contudo, o curioso é que William Bonner pôde utilizar o bote dos bombeiros para gravar matérias para sua emissora; aliás, como que ele chegou em Porto Alegre? De carona no avião da FAB. Mas, o tal mau tempo, para onde foi? Pois é…
A presença da rede Globo no local causou revolta na população (com toda a razão); vários cortes publicados nas redes sociais mostram os voluntários se dirigindo às equipes da emissora com palavras, digamos, não muito agradáveis.
Imagine o leitor: milhares de pessoas desabrigadas, sem ter o que comer, sem ter para onde voltar, dependendo de doações de absolutamente tudo; em um país sério, a primeira medida que o governo tomaria seria de amparar a população. Contudo, a maior preocupação é com as intituladas “fake news”.
Lula nomeou Paulo Pimenta, ministro da Secretaria de Comunicação, para assumir o cargo de ministro extraordinário de reconstrução no Rio Grande do Sul. Com bairros inteiros completamente destruídos, a única missão desta nova pasta seria ajudar os gaúchos a reconstruir suas vidas, seus empreendimentos e sua dignidade; contudo, em entrevista para William Bonner (claro), ele mostrou com o quê realmente se importa:
“Eu respeito, como princípio, a liberdade de expressão; jamais partiria de mim qualquer iniciativa que tentasse censurar ou transformar o debate político num momento tão delicado e tão sério quanto esse. O que nós procuramos encaminhar é para que a Polícia Federal identifique iniciativas que, DO NOSSO PONTO DE VISTA, prejudicaram as ações que estão sendo realizadas, especialmente de resgate e salvamento…”
“Do nosso ponto de vista”: apenas isso explica.
LEILÃO DO ARROZ “TIA JANJA”
Pouco mais de um mês após a tragédia, outro possível problema preocupava parte da população: o abastecimento de arroz, já que o Rio Grande do Sul é responsável por 70% da produção. Por conta do ocorrido, o governo publicou uma portaria sobre compra de arroz importado para lidar com o impacto das chuvas.
Contudo, a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) acionou o Supremo Tribunal Federal (STF) contra a importação de arroz pelo governo. Isso porque a entidade alegava que 84% da área plantada do Rio Grande do Sul foi efetivamente colhida antes do início das chuvas, além de argumentar que os produtores “nunca foram ouvidos no processo de formulação dessa política de importação do cereal”. O Partido Novo, então, entrou com uma liminar para suspender o leilão, porém, esta foi derrubada no dia seguinte, e o leilão acabou acontecendo.
Mas vejam que interessante: o deputado Marcel van Hattem (NOVO), em live no seu perfil do Instagram, mostrou o que, de fato, aconteceu nesse leilão: dos 28 lotes par serem leiloados, 11 foram descartados, não houve interesse; para os 17 restantes, houve apenas QUATRO participantes.
Uma delas, a Foco Corretora de Grãos, tem como sócio Marcelo Geller, filho de Neri Geller, secretário de políticas agrícolas. Após o escândalo, Neri foi demitido.
Outra participante do leilão é uma locadora de veículos, que arrematou 22 mil toneladas de arroz.
Mas a maior parte foi arrematada por uma mercearia localizada em Macapá (AP) cuja atividade principal descrita no CNPJ é “comércio atacadista de leite e laticínio”, que receberia R$ 736,3 milhões do governo para importar 147,3 mil toneladas de arroz.
Com tamanho escândalo, o leilão do arroz “Tia Janja” foi suspenso e um novo será realizado.
Infelizmente, a tragédia ocorrida no Rio Grande do Sul trouxe à baila e de forma escancarada a incompetência e omissão deste desgoverno para solucionar problemas gravíssimos. A impressão que fica é que é proposital o prolongamento do caos ocasionado pelas enchentes.