Na última semana, voltou a circular nas redes uma intrigante matéria da BBC com o título: “Mulheres do job: profissionais do sexo trocam dicas e oferecem mentoria a iniciantes no TikTok’.” À primeira vista, pode parecer apenas mais um retrato da era digital. Mas será mesmo só isso? O que está por trás desse tipo de abordagem aparentemente inocente? A resposta vai muito além do que se imagina.
A linguagem é o primeiro território conquistado por qualquer projeto revolucionário. Antes de subverter a moral, é preciso rebatizá-la. É nesse campo que opera uma das mais insidiosas engenharias contemporâneas: a alteração deliberada do significado das palavras para acomodar e normalizar condutas outrora tidas — e com razão — como indignas.
Mulheres que fazem da prostituição seu meio de vida passaram a ser chamadas de “profissionais do sexo”. E não bastasse essa tentativa de sanitizar o que é essencialmente a mercantilização do corpo humano, agora se autodenominam “mulheres do job”. Job, em inglês, quer dizer trabalho. Mas é precisamente isso que está em jogo: a redefinição do que é ou não um trabalho digno.

O que se pretende com esse eufemismo barato é simples: substituir o juízo moral por uma suposta neutralidade linguística, onde todo comportamento passa a ser igualmente válido — desde que nomeado com as palavras certas. George Orwell alertava com lucidez: “A linguagem política é projetada para fazer mentiras parecerem verdades, assassinato respeitável e dar aparência de solidez ao puro vento.” A estratégia é a mesma: envernizar o inaceitável até que soe aceitável.
Na matéria — que mais parece um panfleto de assessoria de imprensa do submundo — menciona-se que essas “profissionais” agora oferecem mentorias a iniciantes — como se fosse necessário um curso para vender o próprio corpo, uma prática que exige muito menos razão que instinto. Desde quando o mais animalesco dos impulsos humanos demanda didática?
A ofensiva linguística é orquestrada. Através dos grandes veículos de comunicação, promove-se a estetização do grotesco, a normalização do imoral, a institucionalização do desviante. Trata-se de uma engenharia cultural que se apoia na manipulação semântica como arma de dominação. E se você ousa apontar a fraude, será tachado de preconceituoso, retrógrado, misógino — ou qualquer outro rótulo criado para silenciar a crítica legítima.
Esse método tem nome: imposição por consentimento. Uma aceitação tácita, conduzida pela repetição e pela intimidação. A sociedade onde toda vergonha é apagada pela semântica logo não terá mais sequer noção de decência.