Alexandre Neves: “Sou contra a independência”

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A entrevista foi realizada por Sammi Osmann e disponibilizada para o presente portal. Sammi é jornalista, professor de línguas e membro do clube de debates de El Camino Real, e entrevista o cidadão catalão Alexandre Neves para fazer perguntas de cunho político, cultural, econômico e saber a sua posição acerca de assuntos em que possui absoluta propriedade para comentar.

Sammi Osman: Nos conte um pouco sobre a sua vida pessoal. Em qual cidade você mora?

Alexandre Neves: Eu moro em Barcelona, a cidade mais importante da região, desde 1997. A decisão de vir para Barcelona foi porque minha mulher queria se mudar para a sua cidade natal, e eu achei que fosse uma boa oportunidade.

Sammi Osman: Você considera a Catalunha superior às outras regiões da Espanha, em termos gerais?

Alexandre Neves: Pessoalmente, eu não acho, mas em parâmetros econômicos, sim, é a melhor. O PIB é de 211 bi € e situa a Catalunha em primeiro lugar entre as comunidades autônomas da Espanha.
O PIB em 2016 foi de 28 590€ per capita (quarto lugar entre as comunidades autônomas), contra 24 100€ per capita, que é a media nacional da Espanha.

Sammi Osman: Você acha que a cultura catalã difere muito da cultura espanhola? Eles possuem uma outra identidade?

Alexandre Neves: A cultura catalã é similar à da Espanha, mas eles têm algumas tradições próprias como o Caganer (figura tradicional no Natal). No entanto, são poucas diferenças, assim como em todos os outros países existem diferentes tradições em diferentes estados/regiões. A maior diferença realmente vem da língua Catalã, que é a linguagem que as pessoas aqui nascidas preferem se comunicar, mas o Espanhol é utilizado lado a lado.

Sammi Osman: Você já notou que os catalães desejavam independência? Já havia sentimentos nacionalistas desde épocas passadas ou é algo que surgiu nos últimos anos?

Alexandre Neves: Durante os primeiros anos que morei aqui havia, de vez em quando, comentários sobre isto. Havia um movimento chamado Terra LLiure (Terra Livre) que queria a independência da Catalunha, porém a independência não era muito comentada nos meios de comunicação.

Sammi Osman: Nos explique melhor sobre o conflito linguístico na região. Qual idioma é predominante? Havia catalães que não sabiam ou se recusavam a falar espanhol?

Alexandre Neves: A Catalunha não é o melhor lugar para aprender espanhol, já que grande parte dos anúncios nas ruas e outdoors são em catalão, o que faz com que haja confusão com os idiomas. O catalão é um idioma em si. Considerado como tal e predominante na região. É o primeiro idioma. Nas escolas públicas o idioma catalão é o utilizado nas salas de aula, salvo quando há alunos de alguma outra região na classe que não falam catalão, então o professor pode falar espanhol. Todos os catalães falam espanhol. Quem não fala catalão, é normalmente filho de imigrante de outras região da Espanha. A regra é: se alguém te apresenta uma pessoa nova em catalão, então você sempre falará catalão com ela. Se te apresenta em espanhol, então sempre falará em espanhol com ela. Eu gosto muito do idioma catalão.

Sammi Osman: Como você acha que ficará a relação entre Espanha e Catalunha depois de uma eventual secessão? Você acha que eles podem manter uma relação amistosa mesmo depois disso?

Alexandre Neves: Espero que não haja uma secessão. Espero que se isto chegue a acontecer que seja de uma forma amistosa. Mas vejo que isto seria impossível. Se mesmo num puro plebiscito aconteceu o que aconteceu, caso haja secessão e a Catalunha seja admitida na UE, então obviamente como todos os países devem ter uma relação bilateral de acordo com as normas da UE, não pode haver barreiras comerciais. Porém os catalães sempre foram mal vistos por grande parte dos espanhóis, e há também o conflito entre os Madridistas do Real Madrid e os Culés (fãs do Barça). Há uma questão de orgulho dos clubes que vai muito além dos campos de futebol e que tem raízes na era franquista. O Real Madrid era então o time do governo, enquanto que o Barça da oposição catalã.

Sammi Osman: Você acha que existe alguma chance remota, mesmo depois do referendo, da Catalunha não se separar?

Alexandre Neves: A chance não é remota, mesmo após o referendo, porque o governo central e o rei não permitirão a secessão que consideram obviamente ilegal.

Sammi Osman: De acordo com o governo catalão, mais de 90% dos eleitores votaram a favor, esse número foi muito acima do esperado. Você crê que as eleições possam ter sido fraudadas?

Alexandre Neves:: Absolutamente não. Creio que não houve fraudes. O grande problema hoje em dia é que as pessoas que votam nem sabem o que querem. A grande maioria dos cidadãos comuns não tem conhecimento nenhum a respeito do que seria uma separação e quais suas consequências. As pessoas não vão votar, ou votam a favor como forma de protesto e depois ficam desesperadas porque um absurdo aconteceu.

Sammi Osman: O que acha da postura do primeiro-ministro, Mariano Rajoy, frente ao movimento?

Alexandre Neves: A postura rígida do governo para evitar o referendo, enviando soldados de fora da região e usando violência foi a pior jogada de marketing da história.
Por culpa disso muitos dos que não eram a favor da separação, agora o são, porque vêem que o governo quer tratar-lhes como na era franquista de ditadura.

Sammi Osman: Você acha que essa crise econômica na Espanha tem algo a ver com isso? Você não acha que separar o país por um crise econômica temporária é uma decisão um pouco precipitada?

Alexandre Neves:: A crise econômica na Espanha é uma coisa antiga. Sempre houve problemas com o desemprego alto e sonegação de impostos. Durante esta crise politica as bolsas caíram porque os mercados são voláteis como sempre. A fuga do capital é rápida ao menor sinal de incerteza. Obviamente precipitada, porém não é nada de novo.

Sammi Osman: Você sabe o que vai acontecer depois da secessão? Se você tivesse que escolher entre a cidadania catalã ou espanhola, qual você escolheria?

Alexandre Neves: Eu sou cidadão espanhol e assim quero seguir sendo. Apesar de ter tido muito mais convivência com catalães e a Catalunha é ainda a região que vivo, sou a favor de uma Espanha unida.

Sammi Osman: Você, pessoalmente, como um catalão, apoia a independência? Ou pelo menos considera válidos os motivos?

Alexandre Neves: Sou contra a independência. Eu acho que as regiões tem que se ajudar. Os mais ricos sempre querem se separar. Uma das razões pelas quais a Catalunha quer se separar é econômica. É uma região rica. Dizem que pagam mais dinheiro ao governo central do que recebem de volta. Portanto eles querem que o que seja produzido na Catalunha fique na Catalunha e não reparta com comunidades autônomas mais pobres como a região de Andalucia.

Observação de Sammi Osman (entrevistador):

Uma coisa muito importante que acabou não sendo comentada na entrevista é o fator do reconhecimento perante a comunidade internacional. Muitos desinformados apoiam a secessão sem saber ao certo o que isso pode acarretar. Apesar de bons motivos, se eu fosse catalão, pensaria duas vezes antes de apoiar algo como isso. Primeiramente porque a Espanha é uma nação milenar, e eles perderiam essa grande herança histórica, mas principalmente porque isso causaria uma enorme crise na região, e não só economicamente falando. Primeiramente, o país precisa ser reconhecido pela comunidade internacional, o que pode demorar anos ou até décadas, principalmente quando esse processo ocorreu através de violência, como foi o caso da Catalunha. E como a Espanha tem fortes aliados por toda a Europa e América, pode ser que a Catalunha passe um bom tempo sem ser reconhecida pelas principais potências do mundo, o que pode acarretar muitos problemas não só para a economia, mas também para seus cidadãos, que vão ter dificuldades em sair do país com o passaporte catalão.

Observação de Felipe Telles (Mundo Conservador):

A Catalunha é um patrimônio cultural e imaterial da Espanha e a vontade momentânea da população deve ser observada, mas de maneira alguma pode ser o único critério: há inúmeros fatores e requisitos que devem ser observados e resguardados. Como prelecionou Edmund Burke (1729-1797): “a sociedade é uma comunidade de almas que reúne os mortos, os vivos e os que ainda não nasceram”. Uma maioria temporal não pode soterrar e vilipendiar valores e aspectos atemporais, que estão acima do tempo e do espaço. O separatismo gera uma ruptura revolucionária e deve ser olhado sob uma perspectiva prudente e não necessariamente democrática. Russell Kirk (1918-1994), o maior expoente do conservadorismo americano, se inspirou em Burke e em Platão para expôr o denominado Princípio da Prudência: “a prudência é a maior das virtudes, qualquer medida pública deve ser julgada pelas suas consequências de longo prazo e não apenas por vantagens temporárias.” Tudo deve ser posto em discussão, para somente então, em último caso, se discutir uma secessão.


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