A estratégia de Bolsonaro no “juiz de garantias”

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Criticado por histéricos como Nando Moura, que não possui a mínima capacidade de fazer uma análise política racional, a decisão de Bolsonaro em não vetar o dispositivo do “juiz de garantias” foi, em verdade, uma estratégia inteligentemente pensada. Ao contrário do que muitos pensavam a seu respeito, o presidente demostra inteligência política acima da média, fruto de sua experiência como parlamentar somada a boas referências que o cercam.

A medida, elaborada pelo Congresso e sancionada por Bolsonaro, institui a bipartição de competência. Um juiz será o responsável pela etapa do inquérito (investigação) e outro pela instrução e julgamento. Sérgio Moro, desde o início, solicitou o veto ao presidente. Qual é o problema do “juiz de garantias”, afinal?

“Leio na lei de criação do juiz de garantias que, nas comarcas com um juiz apenas (40 por cento do total), será feito um ‘rodízio de magistrados’ para resolver a necessidade de outro juiz. Para mim é um mistério o que esse ‘rodízio’ significa. Tenho dúvidas se alguém sabe a resposta.”

Sérgio Moro, via Twitter

Analisando essa e outras declarações, não é difícil concluir que, na visão dele, o problema não está no conteúdo em si, mas sim em sua aplicabilidade. Ou seja, pelo fato de grande parte das comarcas possuir apenas um juiz, a ideia é de aplicação muito dificultosa e pode inviabilizar o sistema processual penal no Brasil.

A ideia de Bolsonaro, desde o início, foi aprovar o melhor pacote anticrime, isto é, aquele que mais coloque criminosos em apuros e faça valer a justiça. O problema é que o Congresso adicionou ao pacote diversas medidas que em nada combatem o crime. Uma espécie de “armadilha”. O presidente, então, sancionou o projeto e vetou 25 itens dos mais diversos. Vale constar, porém, que os vetos retornam ao Congresso, que pode derrubá-los um a um.

A estratégia adotada foi a de vetar os itens mais esdrúxulos, as armadilhas mais perigosas, como a que aumenta consideravelmente a pena para crimes virtuais (utilizada como meio para censura). Outros itens, embora não se mostrem muito positivos, Bolsonaro optou por não vetar. Uma espécie de concessão para que o projeto desejado não seja completamente desfigurado, já que o Congresso, lamentavelmente, sempre tem a “última palavra”.

Quanto ao juiz de garantias, uma aposta do governo é que há uma boa possibilidade de ser declarado inconstitucional pelo STF, haja vista que os juízes alegam violação da autonomia dos tribunais e ausência de previsão orçamentária. Bolsonaro atuou por um pacote menos desfigurado e, como bônus, deixou a “bomba” entre o Congresso e o Judiciário.

Mesmo não sendo declarado inconstitucional, o que representaria um absurdo jurídico, alguma complementação teria que ser dada a fim de viabilizar a sua aplicação. Neste menos provável cenário, o sistema processual brasileiro sofreria uma mudança que, embora talvez desnecessária, não contribuiria para a impunidade.

O fato de haver um juiz para o momento do inquérito e outro para o momento da instrução e julgamento, em nada impossibilita ou dificulta a aplicação da lei. O responsável pela condução processual e proferimento de sentença continuaria sendo apenas o juiz da instrução, sem interferências. Como bem menciona o penalista e doutor Evandro Pontes, seria uma alteração de ordem instrumental, como no futebol, em que é possível alterar o esquema tático. Não significa que um modelo é melhor ou pior.

Nando Moura e outros pretensos influenciadores afirmam que tal dispositivo foi sancionado para beneficiar Flávio. Mentira, tendo em vista que o juiz de garantias, conforme entendimento de magistrados do STF, não vale para processos em andamento.

O que se percebe é uma grande histeria coletiva. Propagar alarmismo tem se tornado um grande objeto de prazer. No caso em questão, Bolsonaro nada mais fez do que usar a razão para não ter em seu colo um problema que não lhe diz respeito. Agiu no proveito da aprovação de um pacote anticrime mais voltado aos interesses da população, mesmo que para isso necessite abrir concessões e ser vítima de discursos puristas.


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